Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor
A Páscoa é festa
central para judeus e cristãos. Ela celebra – celebrar é atualizar – para os
judeus a passagem da escravidão no Egito para a terra da promissão, a passagem pelo
Mar Vermelho e a passagem de massa anônima para um povo organizado. A figura de
referência é Moisés, libertador e legislador, que nasceu cerca de 1250 anos
antes de nossa era. Conduziu a massa para a liberdade e a fez povo de Deus.
Para os cristãos a páscoa
é também passagem. Tem como figura central Jesus de Nazaré. Ela celebra a
passagem de sua morte para a vida, de sua paixão para a ressurreição, do velho
Adão para novo Adão, deste cansado mundo para o novo mundo em Deus.
Como em todas as
passagens há ritos, os famosos ritos de passagem tão minuciosamente estudados
pelos antropólogos. Em toda passagem há um antes e um depois. Há uma ruptura.
Os que fazem a passagem se transformam. O rito de passagem do nascimento, por
exemplo, celebra a ruptura da pertença ao mundo natural para a pertença ao
mundo cultural, representado pela imposição do nome. O batismo celebra a
passagem do mundo cultural para o mundo sobrenatural, quer dizer, de filho e
filha dos pais para filho e filha de Deus. O casamento é outro importante rito
de passagem: de solteiro ou solteira com as disponibilidades que cabem a esta
fase da vida para casado com as responsabilidades que este estado comporta. A
morte é outro grande rito de passagem: passa-se do tempo para a eternidade, da
estreiteza espacial-temporal para a total abertura do infinito, deste mundo
para Deus.
Se bem repararmos,
toda a vida humana possui estrutura pascal. Toda ela é feita de crises que
significam passagens e processos de acrisolamento a e amadurecimento. Tomando o
tempo como referência, verifica-se uma passagem da meninice à juventude, da
juventude à idade adulta, da idade adulta à velhice (hoje prefere-se terceira
idade) e da velhice para a morte e da morte para a ressurreição e da
ressurreição para o inefável mergulho no reino da Trindade, segundo a crença
dos cristãos.
São verdadeiras
travessias com riscos e perigos que este fenômeno existencial implica. Há
travessias que são para o abismo, há outras que são para a culminância. Mas a
páscoa traz uma novidade, tão bem intuída pelo filósofo Hegel, numa sexta-feira
santa no Konvikt de Tübingen (seminário protestante) onde estudava. A páscoa
nos revela a dialética objetiva do real: a tese, a antítese e a síntese. Viver
é a tese. A morte é a antítese. A ressurreição é a síntese. A síntese é um
processo de recolhimento e resgate de todas as negatividades dentro de uma
outra positividade superior. Assim que o negativo nunca é absolutamente
negativo, nem o positivo é somente positivo. Ambos se contem um ao outro,
encerram contradições e formam o jogo dinâmico da vida e da história. Mas tudo
termina numa síntese superior.
Talvez esta seja a
grande contribuição que a páscoa judaico-cristã oferece aos que se afligem e se
interrogam sobre o sentido da vida e da história. O cativeiro não tem a última
palavra, mas a libertação, a morte não detém o sentido das coisas, mas a vida e
a ressurreição. Assim a história estará sempre aberta. Com razão nos dizia o
poeta e profeta Dom Pedro Casaldáliga: depois da síntese final da páscoa de Cristo
não nos é mais permitido viver tristes. Agora a verdadeira alternativa é: ou a
vida ou a ressurreição.
Autor do livro infantil, O ovo da esperança. O
sentido da festa da Páscoa, Mar de Idéias, Rio.
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